ELIZABETH
F. LOFTUS
Em 1986 Nadean Cool, uma ajudante de enfermagem em Wisconsin, procurou
ajuda terapêutica de um psiquiatra para auxiliá-la a superar um evento
traumático experimentado pela sua filha. Durante a terapia, o psiquiatra usou
hipnose e outras técnicas sugestivas para trazer à tona recordações de abuso
que Cool supostamente teria experimentado . No processo, Cool foi convencida de
que ela tinha memórias reprimidas de ter estado em um culto satânico, de comer
os bebês, de ser estuprada, de ter sexo com animais e de ser forçada a assistir
o assassinato da sua amiga de oito anos. Ela chegou a acreditar que teve mais
de 120 personalidades – crianças, adultos, anjos e até mesmo um pato – tudo
isso porque lhe foi dito que ela havia passado por severo abuso sexual e físico
na infância. O psiquiatra também executou exorcismos nela, um dos quais durou
cinco horas e incluiu o uso de água benta e gritos para Satanás deixar o seu
corpo.
Quando Cool percebeu
finalmente que aquelas falsas recordações foram implantadas, ela processou o
psiquiatra por negligência profissional. Depois de cinco semanas de julgamento,
o caso dela foi resolvido fora do tribunal por 2.4 milhões de dólares em março
de 1997. Nadean Cool não é a única paciente a desenvolver falsas recordações
como resultado de uma terapia questionável. Em 1992 no Missouri, um conselheiro
de igreja ajudou Beth Rutherford a se lembrar, durante terapia, que o seu pai,
um clérigo, a tinha estuprado regularmente dos sete aos catorze anos e que a
sua mãe às vezes o ajudava segurando-a. Sob a direção do terapeuta, Rutherford
desenvolveu recordações de seu pai engravidando-a duas vezes e forçando-a a
abortar o feto ela mesma com um cabide.O pai teve que resignar do posto de
clérigo quando as alegações se tornaram públicas. Mais tarde um exame médico da
filha revelou, porém, que ela ainda era virgem aos 22 anos e nunca tinha estado
grávida. A filha processou o terapeuta e recebeu 1milhão de dólares de
indenização em 1996.
Aproximadamente um ano
antes, dois juris apresentaram vereditos desfavoráveis a um psiquiatra de
Minnesota, o qual foi acusado de implantar falsas recordações pelos seus
ex-pacientes Vynnette Hamanne e Elizabeth Carlson que submetidos à hipnose e ao
amytal sódico e depois de serem mal informados sobre os funcionamentos da
memória, vieram a se lembrar de horroroso abuso por membros da família. Os
jurados compensaram Hammane com 2.67 milhões e Carlson com 2.5 milhões de
dólares pelos seus sofrimentos.
Em todos os quatro
casos, as mulheres desenvolveram recordações sobre abuso infantil na terapia e
posteriormente negaram a sua autenticidade. Como nós podemos determinar se
recordações de abuso infantil são verdadeiras ou falsas? Sem corroboração, é
muito difícil de diferenciar entre falsas e verdadeiras recordações. Também,
nestes casos, algumas recordações eram contrárias à evidência física, como
memórias explícitas e detalhadas de estupro e aborto quando o exame médico
confirmava virgindade. Como é possível as pessoas adquirirem falsas recordações
tão elaboradas e seguras? Um número crescente de investigações demonstra que
sob circunstâncias adequadas falsas recordações podem ser instiladas bastante
facilmente em algumas pessoas.
Minha própria pesquisa
em distorção de memória remonta aos primóridos de 1970, quando iniciei os
estudos do “efeito da informação incorreta”. Estes estudos mostram que quando
as pessoas que testemunham um evento são posteriormente expostas a informação
nova e enganosa sobre ele, as suas recordações freqüentemente se tornam
distorcidas. Em um exemplo, participantes viram um acidente de automóvel
simulado em um cruzamento com um sinal de Pare. Depois do ocorrido, metade dos
participantes recebeu uma sugestão de que o sinal de tráfico era um sinal de
passagem preferencial. Quando perguntados posteriormente que sinal de tráfico
eles se lembravam de ter visto no cruzamento, os que haviam sido sugestionados
tendiam a afirmar que tinham visto um sinal de passagem preferencial. Aqueles
que não tinham recebido a falsa informação eram muito mais precisos na
lembrança do sinal de tráfico.
Meus estudantes e eu
administramos até agora mais de 200 experiências envolvendo mais de 20,000
indivíduos que documentam como a exposição à informação enganosa induz à
distorção de memória. Nestes estudos, pessoas “recordaram” um celeiro digno de
nota numa cena bucólica que não continha nenhum edifício; vidro quebrado e
gravadores de fita que não estavam nas cenas que viram; um veículo branco em
vez de azul na cena de um crime; e Minnie Mouse quando eles na verdade viram
Mickey Mouse. Considerados em conjunto, estes estudos mostram que a informação
enganosa pode mudar a memória de um indivíduo de um modo previsível e às vezes
muito poderoso.
A informação enganosa
tem o potencial de invadir nossas recordações quando falamos com outras
pessoas, quando somos interrogados sugestivamente ou quando lemos ou vemos a
cobertura da mídia sobre algum evento que podemos ter experienciado nós mesmos.
Depois de mais de duas décadas explorando o poder da informação enganosa,
pesquisadores aprenderam muita coisa sobre as condições que fazem as pessoas
suscetíveis à modificação da memória. As recordações são mais facilmente
modificadas, por exemplo, quando a passagem de tempo permite o enfraquecimento
da memória original.
Falsas Memórias infantis
Uma coisa é mudar um detalhe ou dois numa memória intacta mas outra totalmente diferente é implantar uma falsa memória de um evento que nunca aconteceu. Para estudar a falsa memória, eu e meus estudantes tivemos de achar um modo de implantar uma pseudomemória que não causasse nos nossos participantes tensão emocional imprópria, tanto no processo de criá-la quanto na revelação de que eles tinham sido enganados intencionalmente. Nós quisemos ainda tentar implantar uma memória que seria pelo menos ligeiramente traumática se a experiência tivesse ocorrido de fato.
Eu e minha parceira de
pesquisa, Jacqueline E. Pickrell, concordamos em tentar implantar uma memória
específica de estar perdido em um shopping center ou em uma grande loja de
departamentos ao redor dos cinco anos. Aqui está como fizemos isto. Nós
perguntamos para nossos participantes, 24 indivíduos dos 18 aos 53 anos, para
tentarem se lembrar de eventos de infância que tinham sido contados a nós por
um pai, um irmão mais velho ou outro parente próximo. Nós preparamos uma
brochura para cada participante contendo estórias de um parágrafo sobre três
eventos que haviam acontecido de fato a ele ou a ela e um que não havia. Nós
construímos o falso evento sobre um possível passeio ao shopping usando
informação provida por um parente, o qual verificou também se o participante
não havia estado, de fato, perdido aos cinco anos. O enredo de “perdido no
shopping” incluiu os seguintes elementos: perdido durante um período
prolongado, choro, ajuda e consolo por uma mulher idosa e, finalmente, a
reunião com a família
Depois de ler cada
história da brochura, os participantes escreveram sobre o que eles se lembravam
do evento. Se eles não se lembrassem dele, eram instruídos a escrever, “eu não
me lembro disto”. Em duas entrevistas seguidas, nós falamos aos participantes
que estávamos interessados em examinar o quanto de detalhe que eles pudiam se
lembrar e comparar as recordações deles com as dos seus parentes. Os parágrafos
sobre o evento não foram lidos literalmente a eles, em vez disso foram
fornecidos trechos para sugerir a lembrança. Os participantes recordaram
aproximadamente 49 dos 72 eventos verdadeiros (68 %) logo depois da leitura
inicial da brochura e também em cada uma das duas entrevistas seguidas. Depois
de lerem a brochura, sete dos 24 participantes (29 %) lembraram-se tanto
parcialmente como totalmente do falso evento construído para eles, e nas duas
entrevistas seguidas seis participantes (25 %) continuaram afirmando que eles
se lembravam do evento fictício. Estatisticamente, havia algumas diferenças
entre as verdadeiras e as falsas recordações: participantes usaram mais
palavras para descrever as verdadeiras recordações, e eles avaliaram as
verdadeiras recordações como estando um pouco mais claras. Mas se um espectador
fosse observar muitos de nossos participantes descreverem um evento, seria
realmente difícil para ele dizer se a estória era uma recordação verdadeira ou
falsa. Claro que, estar perdido, por mais assustador, não é o mesmo que ser
molestado. Mas o estudo de “perdido no shopping” não é sobre experiências reais
de estar perdido; é sobre implantar falsas memórias de estar perdido. O modelo
mostra um modo de instilar falsas recordações e dá um passo em direção ao
entendimento de como isto poderia acontecer no mundo real. Além disso, o estudo
fornece evidência de que as pessoas podem ser conduzidas a se lembrarem do seu
passado de modos diferentes, e elas podem até mesmo serem persuadidas a se
“lembrar” de eventos completos que nunca aconteceram.
Estudos em outros
laboratórios usando um procedimento experimental semelhante produziram
resultados semelhantes. Por exemplo, Ira Hyman, Troy H. Husband e F. James
Billing da Western Washington University pediram para estudantes de faculdade
que recordassem experiências de infância que haviam sido contadas pelos seus
pais. Os pesquisadores disseram aos estudantes que o estudo era a respeito de
como as pessoas se lembram das mesmas experiências de modo diferente. Além de
eventos reais reportados pelos pais, foi dado a cada participante um evento
falso, seja uma hospitalização à noite devido a uma febre alta e a uma possível
infecção de ouvido, ou uma festa de aniversário com pizza e palhaço que
supostamente aconteceram aos cinco anos. Os pais confirmaram que nenhum desses
eventos ocorreu de verdade.
Hyman descobriu que os
estudantes recordaram completa ou parcialmente 84 % dos eventos verdadeiros na
primeira entrevista e 88 % na segunda entrevista. Nenhum dos participantes
recordou o evento falso durante a primeira entrevista, mas 20 % disseram na
segunda entrevista que se lembravam de algo sobre o evento falso. Um
participante que foi exposto à história da hospitalização de emergência mais
tarde se lembrou de um médico, de uma enfermeira e de um amigo da igreja que
veio visitá-lo no hospital. Em um outro estudo, Hyman apresentou junto com
eventos verdadeiros, diferentes eventos falsos, como derramar acidentalmente
uma tigela de ponche nos pais da noiva numa recepção de casamento ou ter que
abandonar um supermercado quando o sistema de irrigação contra fogo ativou-se
acidentalmente. Novamente, nenhum dos participantes recordou o falso evento
durante a primeira entrevista, mas 18 % se lembraram de algo a respeito na
segunda entrevista. Por exemplo, durante a primeira entrevista, um
participante, quando perguntado a respeito do casamento fictício, declarou, “eu
não tenho nenhuma idéia. Eu nunca ouvi isso antes”. Na segunda entrevista, o
participante disse, “era um casamento ao ar livre, e eu acho que estávamos
correndo e derrubamos alguma coisa como uma tigela de ponche ou algo parecido e
fizemos uma grande bagunça e, é claro, fomos repreendidos por isto.”
Inflação da Imaginação
A descoberta de que uma sugestão externa pode conduzir à construção de falsas recordações infantis nos ajuda a entender o processo pelo qual as falsas recordações surgem. É natural querer saber se esta pesquisa é aplicável em situações reais como a de ser interrogado por um oficial da lei ou na psicoterapia. Embora uma sugestão enfática pode não acontecer habitualmente em um interrogatório policial ou na terapia, a sugestão na forma de um exercício imagético às vezes o faz. Por exemplo, quando tentando obter uma confissão, oficiais da lei podem pedir para um suspeito que imagine ter participado de um ato criminoso, e alguns profissionais de saúde mental encorajam os pacientes a imaginar eventos infantis como um modo de recuperar memórias supostamente escondidas.
Pesquisas de
psicólogos clínicos revelam que 11 % deles instruem seus clientes “a deixarem a
imaginação correr solta” e 22 % dizem para seus clientes “dar rédea livre à
imaginação”. A terapeuta Wendy Maltz, autora de um livro popular sobre abuso
sexual infantil, defende que se dê a seguinte recomendação ao paciente: “Gaste
tempo imaginando que você foi abusado sexualmente, sem se preocupar que a
exatidão prove qualquer coisa, ou ter que fazer suas idéias terem
sentido….Pergunte a si mesmo…estas questões: Que hora do dia é agora? Onde você
está? Em um lugar fechado ou ao ar livre? Que coisas estão acontecendo? Há uma
ou mais pessoas com você?” Maltz adicionalmente recomenda que os terapeutas
continuem fazendo perguntas como “Quem teria sido o provável responsável? Quando
você foi mais vulnerável ao abuso sexual em sua vida?”
O uso crescente de tais
exercícios de imaginação conduziu a mim e a vários colegas a se perguntarem
sobre as suas conseqüências. O que acontece quando as pessoas imaginam
experiências infantis que não aconteceram? Imaginar um acontecimento na
infância aumenta a convicção de que realmente aconteceu? Para explorar isto,
nós projetamos um procedimento de três fases. Nós primeiro pedimos aos
participantes que indicassem a probabilidade de que certos eventos aconteceram
a eles durante a infância. A lista contém 40 eventos, cada um classificado numa
escala variando de “definitivamente não aconteceu” a “sem dúvida aconteceu”. Duas
semanas mais tarde nós pedimos aos participantes que imaginassem que haviam
experienciado alguns destes eventos. Foi pedido a diferentes indivíduos que imaginassem
diferentes eventos. Algum tempo depois foi pedido aos participantes que
respondessem à lista original de 40 eventos infantis novamente, indicando quão
provável estes eventos realmente aconteceram a eles. Considere um dos
exercícios de imaginação: é dito aos participantes que imaginem brincar dentro
de casa depois da escola, ouvindo então um ruído estranho do lado de fora,
correndo para a janela, tropeçando, caindo, e alcançando e quebrando a janela
com as suas mãos. Além disso, nós perguntamos aos participantes coisas como “No
que você tropeçou? Como você se sentia?” Em um estudo 24 % dos participantes
que imaginaram a cena da janela quebrada relataram mais tarde um aumento de
confiança de que o evento havia acontecido, enquanto que aqueles aos quais não
foi pedido imaginar o incidente apenas 12 % relataram um aumento na
probabilidade de que havia ocorrido. Nós descobrimos este efeito da “inflação
da imaginação” em cada um dos oito eventos que os participantes imaginaram a
nosso pedido. Várias explicações possíveis vêm à mente. Uma óbvia é de que o
ato de imaginar simplesmente faz o evento parecer mais familiar e essa
familiaridade é relacionada erroneamente às recordações de infância ao invés de
ser relacionada ao ato de imaginar. Tal confusão de fonte, quando uma pessoa
não se lembra da fonte de informação, pode ser especialmente intensa para as
distantes experiências da infância.
Os
estudos de Lyn Giff e de Henry L. Roediger III da Universidade de Washington
sobre recente experiências ao invés de experiências infantis, conectam de forma
mais direta as ações imaginadas à construção da falsa memória. Durante a sessão
inicial, os pesquisadores instruíram os participantes a imaginar a ação
proposta ou apenas escutá-la sem fazer mais nada. As ações eram simples: bata
na mesa, erga o grampeador, quebre um palito, cruze seus dedos, e rode seus
olhos. Durante a segunda sessão, foi pedido aos participantes que imaginassem
algumas das ações que eles não haviam executado anteriormente. Durante a sessão
final, eles responderam perguntas sobre quais ações eles executaram de fato
durante a sessão inicial. Os pesquisadores descobriram que quanto mais os
participantes imaginavam uma ação não executada, mais provável era que eles se
lembrassem de tê-la executado.
Recordações Impossíveis
É altamente improvável que um adulto possa se recordar de lembranças incidentais verdadeiras do primeiro ano de vida, em parte porque o hipocampo, que desempenha um importante papel na criação de recordações, não amadureceu o bastante para formar e armazenar recordações duradouras que possam ser recuperadas na fase adulta.
É altamente improvável que um adulto possa se recordar de lembranças incidentais verdadeiras do primeiro ano de vida, em parte porque o hipocampo, que desempenha um importante papel na criação de recordações, não amadureceu o bastante para formar e armazenar recordações duradouras que possam ser recuperadas na fase adulta.
Um
procedimento para implantar “recordações impossíveis” sobre experiências que
ocorrem logo após o nascimento foi desenvolvido pelo falecido Nicholas Spanos e
seus colegas da Universidade de Carleton. Pessoas foram levadas a acreditar que
elas tinham habilidades de exploração visual e de movimento ocular bastante
coordenados provavelmente porque elas nasceram em hospitais que penduravam
coloridos mobiles oscilantes em cima dos berços das crianças. Para confirmar se
eles tiveram tal experiência, metade dos participantes foi submetida à hipnose
e conduzida até o dia posterior ao nascimento e então foram questionadas sobre
o que elas se lembravam. A outra metade do grupo participou de um procedimento
de “reestruturação mnemônica dirigido” que usou regressão de idade assim como
um vívido encorajamento para se recriar as experiências infantis imaginando-as.
Spanos e seus colegas de trabalho descobriram que a vasta maioria dos
participantes era suscetível a estes procedimentos de implante de memória. Tanto
os participantes hipnóticos quanto os dirigidos relataram recordações infantis.
Surpreendentemente, o grupo dirigido recordou um pouco mais (95 % contra 70 %).
Ambos os grupos se lembravam do móbile colorido numa taxa relativamente alta
(56 % do grupo dirigido e 46 % do hipnótico). Muitos participantes que não se
lembravam do móbile, se recordavam de outras coisas, como médicos, enfermeiras,
luzes brilhantes, berços e máscaras. Também, em ambos os grupos, daqueles que
relataram recordações de infância, 49 % sentiam que as recordações eram reais
contra 16 % que reivindicavam que elas eram apenas fantasias. Estas descobertas
confirmam estudos prévios de que muitas pessoas podem ser levadas a construir
falsas recordações complexas, vívidas e detalhadas por meio de um procedimento
bastante simples. A hipnose claramente não é necessária.
Como as falsas memórias se formam
No estudo de perdido-no-shopping, a implantação da falsa memória aconteceu quando outra pessoa, normalmente um membro da familia, afirmou que o incidente aconteceu. A corroboração de um evento por uma outra pessoa pode ser uma técnica poderosa para induzir a uma falsa memória. De fato, só de afirmar ter visto uma pessoa fazendo algo errado já é o suficiente para conduzí-la a uma falsa confissão.
No estudo de perdido-no-shopping, a implantação da falsa memória aconteceu quando outra pessoa, normalmente um membro da familia, afirmou que o incidente aconteceu. A corroboração de um evento por uma outra pessoa pode ser uma técnica poderosa para induzir a uma falsa memória. De fato, só de afirmar ter visto uma pessoa fazendo algo errado já é o suficiente para conduzí-la a uma falsa confissão.
Este efeito foi
demonstrado em um estudo de Saul M. Kassin e seus colegas da Williams College
que investigaram as reações de indivíduos acusados falsamente de danificar um computador
apertando a tecla errada. Os participantes inocentes inicialmente negaram a
acusação, mas quando uma pessoa associada ao experimento disse que havia visto
eles executarem a ação, muitos participantes assinaram uma confissão,
absorveram a culpa pelo ato e continuaram a confabular detalhes que fossem
consistentes com aquela convicção. Estas descobertas mostram que uma falsa
evidência incriminatória pode induzir as pessoas a aceitarem a culpa por um
crime que não cometeram e até mesmo a desenvolver recordações para apoiar os
seus sentimentos de culpa.
As pesquisas estão
começando a nos dar uma compreensão de como falsas recordações de experiências
emocionalmente envolventes e completas são criadas em adultos. Primeiro, há uma
exigência social para que os indivíduos se lembrem; por exemplo, num estudo
para trazer à tona as recordações, os pesquisadores costumam exercer um pouco
de pressão nos participantes. Segundo, a construção de memórias pelo processo
de imaginar os eventos pode ser explicitamente encorajada quando as pessoas
estão tendo dificuldades em se lembrar. E, finalmente, os indivíduos podem ser
encorajados a não pensar se as suas construções são reais ou não. A elaboração
de falsas recordações é mais provável de acontecer quando estes fatores
externos estão presentes, seja num ambiente experimental, terapêutico, ou
durante as atividades cotidianas.
Falsas recordações são
construídas combinando-se recordações verdadeiras com o conteúdo das sugestões
recebidas de outros. Durante o processo, os indivíduos podem esquecer a fonte
da informação. Este é um exemplo clássico de confusão sobre a origem da
informação na qual o conteúdo e a proveniência da informação estão dissociados.
Está claro que não é
porque nós podemos implantar falsas recordações de infância em alguns
indivíduos que todas as recordações que surgirem após a sugestão serão
necessariamente falsas. Dizendo de outro modo, embora o trabalho experimental
na criação de falsas recordações pode levantar dúvidas sobre a validade de
recordações remotas, como um trauma recorrente, de nenhuma maneira os
desmentem. Sem corroboração, há muito pouco que possa ser feito para ajudar até
mesmo o mais experiente observador a diferenciar as verdadeiras recordações
daquelas que foram sugestivamente implantadas.
Os mecanismos precisos
pelos quais esses tipos de falsas memórias são construídos aguardam por novas
pesquisas. Nós ainda temos muito a aprender sobre o grau de confiança e as
características das falsas memórias criadas desta maneira, e nós precisamos
descobrir que tipos de indivíduos são particularmente suscetíveis a estas
formas de sugestão e que tipos são resistentes.
Enquanto continuamos
este trabalho, é importante prestar atenção à advertência contida nos dados já
obtidos: profissionais de saúde mental e outros devem estar atentos de quão
enormemente eles podem influenciar a lembrança de eventos e da urgente
necessidade de se manter a moderação em situações nas quais a imaginação é
usada como um auxílio para recuperar memórias presumivelmente perdidas.
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A Autora
ELIZABETH F. LOFTUS é professora de
psicologia e professora auxiliar de Direito na Universidade de Washington. Ela
recebeu o Ph.D em psicologia da Universidade de Stanford em 1970. Sua pesquisa
concentra-se em memória humana, depoimento de testemunha ocular e procedimentos
de Tribunal. Loftus publicou 18 livros e mais de 250 artigos científicos e
serviu como especialista ou assessora em testemunhas em centenas de
julgamentos, inclusive no caso de molestamento na pré-escola McMartin (2). Seu
livro Eyewitness Testimony ganhou o National Media Award da Fundação
Psicológica Americana. Ela recebeu doutorados honorários da Universidade de
Miami, Universidade de Leiden e da Faculdade John Jay de Justiça Criminal. Loftus
foi eleita presidenta da Sociedade Psicológica Americana recentemente.
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Notas:
1 – Barbitúrico usado como sedativo e
hipnótico. Vulgarmente conhecido como ‘soro da verdade’. (N.T.)
2 – Processo sobre abuso sexual na
Califórnia que durou seis anos e custou 15 milhões de dólares ao Estado. Em
agosto de 1983, Judy Johnson denunciou que seu filho havia sido molestado na
pré-escola McMartin. Devido à falta de evidência não houve processo.
Entretanto, o delegado da polícia de Manhattan Beach fez circular uma carta aos
pais dos estudantes da pré-escola McMartin mencionando um possível abuso
sexual. Criou-se um pânico generalizado e a mídia se encarregou de espalhar o
boato. Centenas de crianças foram entrevistadas e 360 foram diagnosticadas como
tendo sofrido abuso. O exame médico foi realizado em 150 crianças e apesar da
falta de evidência física, o médico concluiu que 120 delas haviam sido
molestadas. Outras escolas da área e até uma igreja foram envolvidas numa
suposta quadrilha de abuso infantil. Professores foram acusados de abuso sexual
e de praticar rituais satânicos. Entre as inúmeras acusações estavam a de terem
forçado as crianças a participarem de filmes e fotos pornográficos, de terem
matado e mutilado animais para intimidar as crianças, de as terem forçado a
participar de rituais satânicos e a beber o sangue de bebês que haviam sido
mortos, de as terem forçado a entrar em caixões e de enterrá-las, e outras
ainda mais bizarras. A polícia investigou 10 escolas e uma igreja e não
encontrou nenhuma evidência concreta. Judy Johnson foi posteriormente
diagnosticada como esquizofrênica e acabou morrendo em casa de problemas no
fígado relacionados ao excesso de álcool antes do início do julgamento. A
informação sobre o seu estado mental foi escondida da defesa. Após um longo e
extenuante processo, em 1990 os acusados foram considerados inocentes, e a
promotoria desistiu de novas acusações.
Qualquer semelhança entre este caso e o ocorrido em São Paulo na Escola Base não é mera coincidência. Guardada as devidas proporções, os dois casos foram uma combinação sinergética entre uma imprensa irresponsável, uma polícia ineficiente, e médicos e terapeutas incompetentes. (N.T.)
Qualquer semelhança entre este caso e o ocorrido em São Paulo na Escola Base não é mera coincidência. Guardada as devidas proporções, os dois casos foram uma combinação sinergética entre uma imprensa irresponsável, uma polícia ineficiente, e médicos e terapeutas incompetentes. (N.T.)
Leitura Complementar
THE MYTH OF REPRESSED MEMORY. Elizabeth F Loftus and Katherine
Ketcham. St. Martin’s Press, 1994.
THE SOCIAL PSYCHOLOGY OF FALSE CONFESSIONS: COMPLIANCE, INTER
NALIZATION, AND CONFABULATION. Saul M. Kassin and Katherine L. Kiechel in
Psychological Science, Vol. 7, NO. 3, pages 12S-128; May 1996.
IMAGINATION INFLATION: IMAGINING A CHILDHOOD EVENT INFLATES CONFIDENCE
THAT IT OCCURRED. Maryanne Carry, Charles G. Manning, Elizabeth F. Loftus and
Steven J. Sherman in Psychonomic Bulletin and Review, Vol. 3, NO. 2, pages
208-214; June 1996.
REMEMBERING OUR PAST: STUDIES IN AUTOBIOGRAPHICAL MEMORY. Edited
by David C. Rubin. Cambridge
University Press, 1996.
SEARCHING FOR MEMORY: THE BRAIN, THE MIND, AND THE PAST. Daniel L.
Schacter. BasicBooks, 1996.
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